MUSIC.NET
"I Think I'm Paranoid"
Seria fácil demais tentar estabelecer paralelismos e relações entre as duas bandas que actuaram no Vídeo-Estádio entre estas 24 horas. O seu estilo musical vagueia pelas mesmas ondas, são bons amigos e Butch Vig (dos Garbage) chegou a produzir o álbum-estrela dos anos 90, "Smells Like Teen Spirit", dos Nirvana, anterior banda de Dave Grohl, que por sua vez é líder dos Foo Fighters. Ambos os concertos esgotaram a lotação da praça Sony. Ambas as bandas têm dois álbuns lançados e andam a promover o último e ambas actuaram pela primeira vez em Portugal. Permitam-me acrescentar o seguinte: ambas as bandas viveram como nunca e adoraram a reacção do público português (e não só, mas limitemo-nos a isso).
Shirley Manson está de joelhos no palco, a cantar "#1 Crush". A cantar, a gemer, a suplicar, a sussurrar. Este é, sem dúvida, _o_ momento da noite. Vai ficar com certeza na memória de muito boa gente. Estava-se a meio de um concerto que não excedeu nem um bocadinho as espectativas. Porque o que se queria dos Garbage era isto: a sua entrega total. Eeer, se calhar é melhor não usar esta expressão... :-). Não caio nessas tentações...
De volta ao concerto... já cerca das 11 da noite se notava a grande massa humana na Expo. A praça Sony já estava bem composta e esperava-se uma noite memorável. À meia noite em ponto (os concertos têm sido pontuais ao minuto), entram em palco os Garbage. Se a figura de proa dos Garbage seria Butch Vig, há uns anos atrás, essa tendência desapareceu por completo. A bonita vocalista é o centro das atenções do público, das objectivas, do Jumbotron. Só bom gosto. "Dumb" e "Not My Idea" abriram a noite e deram logo para dar a perceber à banda a raça do povo que se amontoava ali à volta.
Retribuindo a gentileza e após alguns mimos (a malta gosta disso), seguiram-se "Push It", "Queer" e "Special". O som dos Garbage ao vivo é coeso e soa muito bem, mesmo com a forte componente electrónica que o descreve. Neste resultado final também não é de desprezar as excelentes condições sonoras do recinto. Onde de seguida se ouvia "My Lover's Box", "Medication" e "Stupid Girl".
As canções de 2.0 sucediam-se, intercaladas com temas do álbum de estreia e alguns bombons musicais tipo "Trip My Wire" ou "#1 Crush". Os Garbage divertiam-se tanto em palco como o público uns poucos metros à frente. Shirley Manson repetia-lhes os gestos e tirava fotografias ao público. Incrível. A partir daí, entrou-se numa fase diferente do concerto. O som electrónico refinou-se e passou-se a uma espécie de paranóia sonora, como num jogo de computador gigante. Uma sucessão de imagens e sons hipnóticos a embalar a plateia numa comunhão, num transe inexplicável, apenas interrompido com um discurso qualquer sobre futebol (!). "I Think I'm Paranoid" e "When I Grow Up" eram apropriados à onda que se sentia. Ou teriam sido os temas a criar o ambiente?
Ficámos no fim do encore, longuíssimo (não que alguém se tenha importado), com direito a improvisação e tudo em "You Look So Fine", que reza assim: "You look so fine/ I want to break your heart/ And give you mine/You're taking me over" (desde já, obrigado pela parte que me toca) e em cujas últimas palavras sussurradas são "Let's pretend, happy end". Eu diria que tinha sido de propósito.
A título pessoal, podem-me chamar paranóico, cego, podem-me dizer que me apaixonei pela mulher de vermelho, podem-me dizer o que quiserem. Pode parecer que sou um fã fervoroso da banda e que me excedi nestas linhas. Mas não... não fui o único a sentir-me assim. Assistiu-se a um grande concerto em que se viu uma banda a render-se ao seu público, quando o previsível era o oposto... e senti particularmente a falta de ouvir "Milk". Mas fiquei a saber na mesma que Shirley Manson é realmente "red hot kitchen", no seu vestido vermelho- finíssimo- curtíssimo- transparente e é "cool as the deep blue ocean". Afinal de contas, a Expo'98 é a exposição dos oceanos :)))
Bruno Rodrigues
BLITZ
"Produzir e Provocar"
Sobre uma banda constituida por três produtores e uma vocalista, e que, ainda para mais, tem até à data dois álbuns editados nos quais se destaca precisamente o trabalho de produção em estúdio com o recurso às mais diversas tecnologias, as expectativas e interrogações que se colocavam quanto às suas actuações ao vivo eram mais que muitas. Seriam os Garbage capazes de reconverter canções nitidamente constituidas num estúdio para o formato ao vivo? Como é que manteriam a personalidade própria da sua músic anum palco? E qual a personalidade que eles próprios, enquanto banda, conseguiriam transmitir? De que forma se distinguiriam ao vivo?
As respostas para todas estas questões foram encontradas no passado dia 23, durante o concerto de uma hora e meia que os Garbage ofereceram ao lotadíssimo Vídeo-Estádio da Expo 98. E no centro dessas respostas encontra-se Shirley Manson, a vocalista escocesa escolhida por Butch Vig, Steve Marker e Duke Erikson para dar voz à parafernália de sons que pretendiam transformar em canções. Ao contrário dos restantes elementos da banda, que se concentraram exclusivamente na tarefa de tocar os seus próprios instrumentos, Shirley entregou-se por completo à tarefa de animadora das hostes, função que cumpriu com êxito total, recorrendo a consideráveis doses duma provocação sensual que chegou a atingir o limite do exagero, para além do qual essa provocação se transforma em exibicionismo barato.
Divertida e extremamente comunicativa, Shirley cativou os largos milhares que constituíam o público do primeiro ao último minuto, quer quando as canções exigiam de se uma certa calma e delicadeza, que nunca deixou de ser quente, quer quando, pelo contrário, elas lhe pediam uma agressividade mais ou menos controlada, quase sempre revestida de uma sensualidade manifesta, exacerbada através de gestos e movimentos aparentemente naturais. Sem retoques de pudor ou ingenuidade, Shirley constituiu o único centro de todas as atenções, enquanto a banda percorreu os dois álbuns da sua curta carreira - «Garbage», de 1995, e «Version 2.0», editado recentemente - para além de apresentar ainda alguns lados B, uma versão e algumas «brincadeiras» (como uma piscadela de olho aos New Order).
«Dumb», do último álbum, foi o tema que abriu a noite e que prontamente provou que, em palco, os Garbage primam por manter aquela mesma sonoidade que os caracteriza e que se distingue por uma combinação poderosa de melodias pop com a energia eléctrica do rock e a diversidade subtil de elementos tecnológicos. Depois de «Not My Idea» e «Push It», que Shirley dedicou ao público poruguês pelo seu apoio e fidelidade, foi «Queer» que marcou o primeiro momento mais calmo da noite, com a vocalista escocesa a dar largas a todos os seus poderes de encantamento e atracção, através da voz e não só. «Special», apesar da sua melodia essencialmente pop, foi interpretada com uma raiva inegável; «My Lover's Box» destacou-se pela electricidade contagiante das guitarras; «Hammering In My Head» foi pontuada por uma densidade ruidosa, ao mesmo tempo doce e escura; «Medication» também teve doçura, mas desta feita sem escuridão; «Stupid Girl», um dos grandes êxitos do primeiro álbum, foi um dos momentos mais animados da noite, com o público a fazer coro do princípio ao fim, e «Temptation Waits» e «Trip My Wire» (um lado B) mantiveram esse mesmo espírito animado. Com «#1 Crush», o tema com que participaram na banda-sonora de «Romeu e Julieta», os Garbage alcançaram um dos melhores momentos da sua prestação, feito de uma intensidade trágica, densa, negra e inevitavelemente cativante. «Vow», «I Think I'm Paranoid» e «When I Grow Up» provaram ser boas canções, cheias de ritmo e harmonia, e, para encerrar o concerto oficial, o inevitável «I'm Only Happy When It Rains», provavelmente o tema mais irresistível dos Garbage.
Para o encore, ficaram ainda a versão de «13», o rock poderoso de «Girl Don't Come» e, para terminar, «You Look So Fine», o último tema do seu último álbum, marcado por um toque de beleza sónica e algum psicadelismo. Respondidas todas as dúvidas e interrogações, o que ficou foi sobretudo um grande concerto de rock.
Sónia Pereira
A CAPITAL
"A inflamável sensualidade da ruiva escocesa e a muralha sonora"
Apesar da hora tardia para a qual estava marcado o início do concerto (meia-noite), a Praça Sony foi ontem demasiado pequena para acolher todos aqueles que desejaram ver o primeiro concerto dos Garbage em Portugal. Provavelmente a Expo 98 recebeu mesmo o maior número de visitantes que, até agora, ali se deslocaram propositadamente para um concerto musical - o caso do «Dia do Brasil» assume contornos algo diferentes. Tentar saber quantas seriam as pessoas a ver o concerto da banda norte-americana na totalidade é algo difícil, mas devem ter certamente ultrapassado as dez mil.
E muito provavelmente não ficaram desiludidas com a prestação da ruiva escocesa Shirley Manson (que não se fartou de fazer alarde da sua origem, nomeadamente ao lamentar o afastamento da selecção de futebol das highlands do Mundial, horas antes) e de «sus muchachos», Duke Erikson (guitarra), Steve Marker (guitarra/samples) e Butch Vig (bateria). A eles juntou-se o habitual baixista, Daniel Schulman. Plena de energia e composta por excelentes canções pop, a actuação dos Garbage constituiu uma das mais sérias e profissionais de todas aquelas que até hoje passaram por solo português. Ao adoptarem uma estratégia inteligente e que constituiu em deixar a cargo da vocalista todo o «aparato», através da permanente dose provocatória e sensualidade inflamável por ela assumida desde o início. Assim foi possível aos restantes elementos dedicarem-se à construção de uma consistente e riquíssima muralha sonora, na qual as guitarras, os samples e os loops assumiam plano de destaque, bem secundados por uma secção rítmica demolidora.
Shirley Manson foi uma verdadeira «leoa em palco», não pela mini-saia que envergava que não deixava grandes espaços a exercícios de imaginação, mas sobretudo pelo modo quase felino como se movimentava e como se dirigia aos muitos presentes, fosse elogiando a beleza da população portuguesa ou desafiando o indivíduo que, a certa altura, arremassou uma peça de roupa para o palco a ir falar com ela (algo no qual não foi correspondida). Muito longe parecia estar a jovem que, à tarde, afirmava «não se considerar um símbolo sexual». No entanto, tudo isto não soou a uma encenação premeditada até ao mais pequeno detalhe, naquele que foi o único senão de um espectáculo excelente e que durou pouco mais de hora e meia, com um total de 19 canções tocadas.
O alinhamento foi: «Dumb», «Not My Idea», «Push It», «Queer», «Special», «My Lover's Box», «Hammering In My Head», «Medication», «Stupid Girl», «Temptation Waits», «Trip My Wire», «#1 Crush», «Vow», «I Think I'm Paranoid» (o novo single), «Grow Up», «Only Happy When It Rains», «13», «Girl Don't Come» e «You Look So Fine» (as três últimas já em encore).
Jorge Pinho
PÚBLICO
"Apaixonados por ela"
Foi uma noite de excelência pop aquela que os Garbage serviram, na passada terça-feira, na Praça Sony. Na sua primeira incursão por palcos portugueses, Shirley Manson e os seus rapazes demonstraram o porquê de serem uma das mais importantes vozes pop da actualidade.
Aqueles que tiveram a oportunidade de assistir a imagens da mais recente edição do Festival Hurricane, em Scheessel, Alemanha - onde os Garbage surgiram ao lado de nomes como os Beastie Boys, Chumbawamba, Bjork e Tori Amos - , verificaram como a asséptica impavidez do público acabou por refrear o inegável profissionalismo dos Garbage. Na terça-feira, na Expo, tudo foi diferente do que sucedeu em solo germânico. É que a eufórica torrente humana que assomou ao recinto da Praça Sony teve o condão de reverter em laivos de brilhantismo aquilo que de outra forma não passaria de um registo normal de Shirley Manson e dos seus rapazes. O que, verdade seja dita, não é pouco.
Com efeito, a normalidade dos Garbage está bem longe do aparente reducionismo a que o próprio termo faz menção. Entusiástica e arrebatadora, encontra no exigente âmago do profissionalismo o reduto da sua máxima expressão. Os Garbage sabem ao que vêm, por que vêm e para o que vêm. E se apenas não sabem aquilo que os espera, acabou por ser essa a grande marca distintiva entre Scheessel e Lisboa.
Arrancando com a excelência pop de "Dumb" e "Not MY Idea", por alturas de "Push It", primeiro single extraído de "Version 2.0", as cera de 20 mil pessoas que enchiam por completo a Praça Sony encontravam-se já rendidas à febril ritmagem electrónica que enforma grande parte da sonoridade dos Garbage. "É um prazer fazer parte da Expo. É um prazer estar frente dos fãs portugueses, que desde o primeiro dia nos têm apoiado", afirma Manson. Também os Garbage se entregavam, capitulados, a uma arena babélica e revolta, numa espécie de contratualismo latente que havia de perdurar noite dentro.
Ora na convulsa electricidade do baixo de Duke Erikson (???) e da guitarra de Steve Marker, ora no perfeito encaixe rítmico da bateria de Butch Vig - figura incontornável no que ao moderno rock norte-americano diz respeito, com a produção de registos seminais como "Nevermind", dos Nirvana, "Dirty", dos Sonic Youth, e "Siamese Dream", dos Smashing Pmpkins - , de temas como "Medication", "Temptation Waits", "Number One Crush", "I Think I'm Paranoid" e "When I Grow Up" aos inevitáveis "Stupid Girl" e "Only HappyWhen It Rains", os Garbage acabaram por demonstrar a razão pela qual são tidos como uma das mais importantes vozes pop da actualidade.
E se é na base dos três rapazes que o grosso da sonoridade da banda se constrói, do resto trata Shirley Manson. Vestido laranja e cabelo ocre, condicentes com a tonalidade alaranjada que a banda decidiu optar como imagem de marca de "Version 2.0", a figura de Manson está bem longe da baixa e chupada fisionomia que a sua figura aparenta revelar. Tanto na pele de menina angélica de olhar ingénuo como na pose rocker de mulher luciferiana, Manson é, toda ela, deliciosa. A vocalista, rebuscada ao acaso num vídeo em que aparecia com a sua anterior banda, afirmou recentemente que a grande diferença entre "Garbage" e "Version 2.0" reside no facto de se ter finalmente apaixonado pelos seus rapazes. E, se Shirley se apaixonou pelos seus rapazes, também nós nos apaixonámos por ela.
O que, verdade seja dita, também não é pouco.
Tiago Luz Pedro
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Garbage ou a arte elegante de reciclar a pop"
Como na véspera, na noite dos Foo Fighters, um par de calções foi parar ao palco. Shirley Manson pegou neles, exigiu que trouxessem ao palco o presumivelmente despido fã. «Enquanto esperamos, vamos cantar uma canção.» Saíu "I'm Only Happy When It Rains", achado pop entre os achados pop do primeiro álbum dos Garbage.
Estávamos na recta final da estreia do concerto da «banda de produtores» do lendário Butch Vig - que no final dizia-se disponível para alugar, todas as semanas, a Praça Sony e vir cá dar um concerto. Terça-feira, depois da meia-noite, estavam lá mais de 20 mil pessoas, recorde provisório do palco principal da Expo.
E foi uma grande noite. De confirmação, costuma dizer-se nestas ocasiões. Ao segundo álbum, os Garbage não são bem uma esperança. Mostram antes uma das melhores leituras actuais do que deve ser a pop. Partindo da herança rock da parte americana da banda, Vig, Duke Erikson e Steve Marker, somam-lhe agora todo o arsenal de texturas, loops e ritmos que marcam a década. O segredo, como sempre, está na dose. Aqui. ela é perfeita. Começa nas vozes de Brian Wilson do fabuloso Special (momento fortíssimo logo na fase inicial) e acaba no ataque descarado à dança que é "Hammering In My Head". Agressividade em estado puro somada à arte elegante de saber reciclar. Os anos 90.
E, claro, há a escocesa, Shirley Manson. Entre Chrissie Hynde e Debbie Harry. Sempre à beira do palco, enfrenta a multidão. Sensualidade perturbadora, humor delirante, classe - o que é classe senão dedicar uma canção à selecção escocesa, derrotada por três a zero, horas antes, pelos marroquinos?
Num concerto mais sobre o curto do que o longo, cujo alinhamento dividiu-se generosamente pelos dois álbuns do grupo, a banda surpreendeu atacando "Push It" muito cedo. Um single pouco ortodoxo que é condensado da atitude Garbage. "Queer" e "Special" completaram a primeira sequência de temas fortes, que regressaram um pouco adiante quando o refrão de Stupid Girl conquistou o povo. "When I Grow Up", "I Think I'm Paranoid", e "You Look So Fine" marcaram a secção final, já sob o signo de "Version 2.0". Encore longo, multidão conquistada, a lição dos Garbage valeu a Expo. Um dos concertos do ano por quem já gravou um dos discos do ano.
Miguel Gaspar
CORREIO DA MANHÃ
"Um simples prazer"
Hora e meia de entrega total bastou para transformar o concerto dos Garbage, terça-feira à noite na praça Sony da Expo 98, no dia da Portugal Telecom, num dos melhores espectáculos do ano. E nem o vento desagradável que soprava conseguiu esfrear as cerca de 20 mil pessoas concentradas no local.
Uma estreia auspiciosa em Portugal de uma das mais carismáticas e inovadoras bandas rock da actualidade. Que parece viver da força, do poder e do charme da escocesa Shirley Manson, a vocalista. Esta é, no entanto, a incrivel "front woman" de um grupo de virtuosos discretamente liderado peo baterista Butch Vig, o homem por detrás do álbum-êxito dos Nirvana, "Nevermind", como produtor. Uma ligação que ainda hoje se mantém, já que Dave Grohl, e restantes Foo Fighters, seguiram atentamente o desenrolar do concerto.
Embora os dois trabalhos que compõem o seu currículo - "Garbage" e "Version 2.0" - possam ser considerados, por alguma crítica, sobretudo norte-americana, como bem sucedidas experiências de laboratório, a verdade é que ao vivo a banda de Madison (Wisconsin) consegue não só transpor para o palco a energia dos discos como melhorá-la.
Tal como haviam prometido à tarde em conferência de imprensa, as quase duas dezenas de temas interpretados pelo grupo resultaram em remisturas absolutamente soberbas, que "vestiram" as canções sem lhes alterar a linha melódica. Mais energia não se podia pedir, maior originalidade também não.
"Queremos apresentar a nossa música sem explosões nem fogo de artifício. A música é mais importante do que os efeitos". Para tal basta Shirley, cuja carismática personalidade transparece na força com que interpreta as palavras das canções. Que são apenas isso, canções simples "sem ser poéticas", segundo Butch Vig.
Puro rock'n'roll foi, em resumo, o que os Garbage proporcionaram aos portugueses. Cativado por Lisboa e pela "incrível beleza das mulheres portuguesas" - e dos homens, acabaria por acrescentar - , o grupo demonstrou uma total segurança em palco e uma interligação bem disposta.
"Usamos a música para nos expressarmos e não por qualquer outra razão". Fazer música só por prazer é talvez o que falta a muito boa gente; talvez a razão porque é difícil não perceber a entrega total do quarteto, aumentado para quinteto com o baixista convidado Daniel Schulman.
Ora calmos, ora agressivos, os Garbage deram "o litro" - passe a expressão - enquanto faziam desfilar o seu som único e expansivo, que inunda os microfones e preenche os ouvidos. De "Dumb" a "You Look So Fine", a banda passou em revista os dois trabalhos de longa duração, mostrou um "lado B" ("Trip My Wire") e uma versão ("13").
Ao vivo e em disco são autores de uma subtil mistura do rock mais básico com a electrónica mais sofisticada, fornecida por computador. Resultado: um punhado de grandes canções (de que "Not My Idea", "Push It", "Queer", "Stupid Girl", "Only Happy When It Rains", "Number One Crush" e "Temptation Waits" são apenas exemplos) e uma violentíssima garra interpretativa assente na voz quente de Shirley, nos despiques entre os guitarristas Steve Marker e Duke Erikson, na batida forte de Butch Vig.
"Não sabemos o que fazer quando as pessoas são simpáticas para nós", lançou Shirley, a dado momento. E que tal voltarem rapidamente para novo concerto?
Fátima Vilas-Bôas
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MUSIC.NET
"A Bela e os Monstros"
O terceiro e último dia do T99 assumia, no corpo das bandas que o povoavam, contornos mais alternativos. Só os Garbage contrariavam de certa forma esta tendência, daí que não fosse de espantar que à porta do Estádio Nacional se vendessem bilhetes a quantias na ordem dos 500$00.
O ambiente que se vivia sintetizava na perfeição o que se tinha aprendido nos dias anteriores: a relva é fofa, portanto dormir na relva é uma boa experiência. As casas de banho estão todas ocupadas, logo deve haver por aqui muita coisa a precisar de ser regada. Os restos de comida, atirados ao ar, são um divertimento salutar para toda a família. As garrafas de sumo e de água, cheias de líquidos orgânicos, são bons projécteis. Revistas distribuídas à entrada cuidadosamente enroladas e atadas com a fita que colava os tapetes faziam projécteis ainda melhores.
Foi um "projéctil" destes (e eu sei, porque a criatura que o atirou estava mesmo ao meu lado) que interrompeu o concerto dos Garbage, nos primeiros 10 segundos de "Temptation Waits". Shirley Manson ameaçou terminar o concerto caso a experiência se repetisse, causando algum clima de instabilidade, ficando no ar o receio que a ameaça fosse levada a cabo. O momento de tensão surtiu o seu efeito e dali para a frente assistiu-se a um comportamento minimamente decente do público até ao final do curto concerto (os Garbage dirigiam-se nessa noite ainda para Londres, para gravar um tema para o novo filme da saga James Bond).
O concerto na Expo'98 foi também recordado, numa das várias vezes que Shirley falava com o seu típico sotaque escocês ao público. E por muito que se tente, é impossível não fazer comparações com o concerto de há um ano atrás. No palco, por exemplo, usava-se um pano de fundo metalizado iluminado a laranja a fazer lembrar a capa de 2.0. Ou durante "Only Happy When It Rains", onde uma chuva de pedaços de papel prateados em conjunto com a iluminação proporcionaram um espectacular efeito. Onde é que estavam estes efeitos na Expo?
No campo musical, quase nada de novo... quase os mesmos temas, num alinhamento bastante acessível e agradável, quase passando despercebido o facto de os Garbage só terem editado 2 discos até à data. Momentos musicais da noite, se os houve (ou seria o concerto no seu todo um deles?), foram "Milk", "#1 Crush", "Queer", "Only Happy When It Rains" (pelo efeito acima referido) e "Stupid Girl", com referências bastantes apropriadas às Spice-Girls. E não é que a rapariga tem jeito?
Bruno Rodrigues
BLITZ
"Rock (Sem Roll)"
Finalmente, por volta da meia-noite, subiram ao palco as tão aguardadas estrelas da noite, que compensaram o público pela longa espera com uma actuação verdadeiramente notável. Depois de quinze meses na estrada, Shirley Manson e os seus três companheiros, conhecidos sobretudo como mestres no estúdio, demonstraram possuir um treino e uma força em palco largamente superiores ao que se tinha presenciado no ano passado, no concerto dos Garbage na Expo '98. Os músicos são indubitavelmente bons, mas é a vocalista que tem a presença dominadora, a postura que atrai inevitavelmente todas as atenções, e a capacidade de comunicação que pretende o público ao londo de todo o concerto. O início não foi muito prometedor, com Shirley Manson a interromper o primeiro tema para avisar os presentes que se alguém atirasse mais algum objecto para o palco, a banda retirar-se-ia, mas uma ou duas canções depois, e reconheça-se aqui o profissionalismo do grupo, já ninguém se recordava do sucedido. O alinhamento escolhido para o espectáculo dividiu-se de forma muito inteligente entre o primeiro e o segundo disco do grupo de Butch Vig, e priveligiou em particular as tonalidades rock das suas canções. Da agressividade de "I Think I'm Paranoid" à provocação de "Queer", da suavidade de "Medication" às texturas densas de "Crush" e "Milk", do imediatismo de "I'm Only Happy When It Rains" à melodia colorida de "When I Grow Up" e às brincadeiras de "Stupid Girl" (com referências divertidas às Spice Girls e Britney Spears), os Garbage encerraram esta primeira edição do T99 num ambiente de festa que muitas vezes lhe faltou.
S. P.
A CAPITAL
"A noite de Shirley"
Os Garbage salvaram a noite de fecho do festival, com um concerto intenso. Antes, o incipiente alinhamento desesperou um público cujo intuito único era ver os cabeças de cartaz.
Durante "Stupid Girl", a cantora dos Garbage ironizou, ao intercalar excertos de temas das Spice Girls e de Britney Spears.
Das cercas de oito mil pessoas que ontem deverão ter passado pelo Estádio do Jamor, provavelmente 99% marcaram presença devido aos Garbage. E o melhor que se pode dizer da banda de Shirley Manson é que não defraudou as expectativas dos muitos que (des)esperaram após mais de quatro horas do morno cartaz do dia de encerramento do Festival T99.
Isto, porque os quatro nomes que actuaram antes dos Garbage (Reporter Estrábico, Zucchero, Swell e Stereophonics) ofereceram desempenhos medianos, incapazes de entusiasmarem minimamente um público que se manteve indiferente ao que acontecia no palco. Bem de acordo com a (nula) popularidade que têm em Portugal, incapaz de encher um Coliseu, quanto mais um estádio.
Como tal, todos os motivos foram válidos para passar o tempo, sendo o mais popular o arremesso de garrafas. Fosse entre elementos do público, ou destes para o palco, numa absoluta falta de civismo. Quando os Garbage subiram ao palco era a essa tarefa que a audiência se dedicava.
Resultado, após os primeiros acordes, Shirley Manson mandou parar os colegas e ameaçou não tocar mais se a "brincadeira" não acabasse ali. Felizmente, a reacção do público não passou de uns tímidos assobios e os Garbage arrancaram para uma actuação intensa, de quase hora e meia, que revisitou os dois discos do grupo.
A vocalista escocesa revelou-se bastante inspirada e comunicativa. Portadora de uma ironia e humor afiados, Shirley chegou a cruzar Spice Girls e Britney Spears durante a interpretação de "Stupid Girl". O resto da banda acompanhou-a em bom plano, debaixo de um notável desenho de luzes.
Jorge Pinho
CORREIO DA MANHÃ
"Reciclagem de Luxo"
Se tivéssemos em conta o peso dos Metallica (18 anos de carreira e 12 álbuns) e dos Aerosmith (29 anos e 16 discos), até poderíamos pensar que a entrega aos Garbage do último dia dos estival T99, domingo, seria uma ideia sem pés nem cabeça e que nada acrescentaria ao evento. Qual quê! Com apenas seis anos de carreira e dois álbuns lançados, a banda de Shirley Manson e Butch Vig em nada ficou aquém dos espectáculos apresentados pelos grupos de James Hetfield e Steven Tyler que encerraram, respectivamente, as jornadas de sexta e sábado.
Para quem se lembrava do magnífico e avassalador concerto oferecido pela banda de Nova Iorque no ano passado durante a Expo '98, e julgava que não iria ver nada de novo (desde então nada lançaram de inédito), acabou por assistir a um espectáculo completamente remodulado. Algumas horas antes do concerto, Butch Vig (produtor e guitarrista) avisara: "O que temos preparado para esta noite vai ser ainda melhor do que aquilo que apresentámos no ano passado".
Feitas as devidas aperciações os Garbage fizeram subir ao palco do Jamor um espectáculo de luxo, no qual aqueles temas bem conhecidos de todos ganharam vida nova, roupagens diferentes e arranjos bem ambiciosos. Temas como "Hammering In My Head" e "Only Happy When It Rains", por exemplo, estiveram quase irreconhecíveis. Uma reciclagem saudável. Quase me atrevo a dizer que as versões dos Garbage das suas próprias músicas davam um novo disco. E que disco! A versatilidade da banda para se recriar a si própria só se explica, aliás, pela existência de um senhor chamado Butch Vig, o maior produtor da música rock alternativa dos anos 90. E se Vig foi capaz de fazer o que fez com bandas como Nirvana, Smashing Pumpkins, L7, Sonic Youth, House Of Pain, Helmet ou Soul Asylum, imagine-se o que é capaz de fazer com a sua.
Vig é, de resto, o homem que, em palco, divide todo o protagonismo com Shirley Manson e nada disso é por acaso. Depois da imagem da cantora, a sua foi aquela que mais brilhou nos ecrãs do Estádio Nacional.
Mas se aos Garbage cabem os elogios da noite, ao público assentam as críticas. Muito pouco participativo, sintoma que de alguma forma fez padecer a primeira edição deste festival, o público, e já em efeito de balanço, nunca esteve à altura de nenhum dos 15 artistas que passaram pelo festival. Os insultos e o arremesso de objectos contra as bandas terão, eventualmente, envergonhado alguns dos espectadores mais educados. Infelizmente ainda temos de viver com isto. Shirley Manson é que não esteve pelos ajustes e mal subiu ao palco avisou logo: "Se me acertarem com mais alguma coisa vou-me embora".
Durante o espectáculo a cantora não se cansou, aliás, de disparar reprimendas contra o público de cada vez que este a interrompia ("Estou a falar!") ou se perdia na indiferença: "Podem mostrar um pouco mais de simpatia, por favor!". Remédio santo. Se a assistência estava desordeira, Shirley Manson meteu-a na ordem e lá para o final do espectáculo ainda conquistou algum "feedback".
Tendo entrado ao som de "Temptation Waits", curiosamente o tema que abre o álbum "Version 2.0" e feito alinhar "Not My Idea", "I Think I'm Paranoid" e "Special", o grupo chegaria ao primeiro grande momento da noite com "Queer". Fazendo uso de um agradável jogo de luzes e de alguns pormenores de folclore dignos de nota como a chuva de papelinhos prateados aquando de "Only Happy When It Rains" (nada disto esteve na Expo), o espectáculo, que estava a ser gravado para os arquivos pessoais do grupo, conforme nos confessou Butch Vig, fez ainda desfilar, entre outros, "Medication", "#1 Crush" (também completamente modificado), "Stupid Girl", "Milk" e "You Look So Fine". Depois de um encore que terminou ao som de "When I Grow Up", os Garbage despediram-se definitivamente justificando: "Amanhã temos de estar bem cedo em Londres para gravar uma música para o próximo filme do James Bond".
Miguel Azevedo
VOICE
"I'm feeling cor-de-laranja"
Num festival dominado por bandas de renome ligadas ao metal ou ao rock mais duro, os Garbage conseguiram, apesar do cansaço, atraír muitas atenções, e se por um lado dominava en número "preto-metálica", por outro, ganhavam em energia os adeptos do "laranja-garbage". E feitas as contas, os Garbage apesar de serem mais leves no trato musical não ficaram nada atrás das prestações da instituição Metallica ou dos "decanos" Aerosmith. Seja pelo esmero técnico de Butch Vig, Duke Erikson e Steve Marker ou pela presença de Shirley Manson, que desta vez, ao contrário do que é habitual, não apareceu de vestidinho evasé nem de botas altas, mas sim de calças justas e t-shirt ainda mais justa. Pormenor? Nem por isso, pois aquilo era um estilo à James Bond e Shirley confirmou no final que os Garbage saíam de Lisboa para irem para Londres gravar o tema do próximo filme de 007.
Trinta segundos depois de entrar em palco, a vocalista gritou bem alto com o seu inconfulível sotaque escoçês, "Stop" e já com o estádio em suspenso, acrescentou "se alguém mandar o que quer que seja cá para cima, vou-me embora".
Uma entrada "triunfal" que pôs o público na ordem e resultou no primeiro grande momento de interacção da noite. Aliás, essa foi sempre a estratégia de Manson para agarrar o público.
Como ela própria disse depois "apesar do nosso começo aqui esta noite, estou muito contente por vos voltar a ver, depois do concerto do ano passado na Expo". E de resposta própria, continuou, "aposto que pensam que digo isto a toda a gente, mas não. Vocês são mesmo um bom público". E estava tudo conquistado. O resto foram os grandes singles, em equilíbrio com temas de "Garbage" e, na segunda metade do concerto, "Version 2.0" (com um fundo semelhante ao do disco). Do lote radiofónico, destaque para "Only Happy When It Rains", com uma chuva rosa brilhante a cair do palco e do lote "para conhecedores" "Medication", onde em delírio total, Shirley descreveu as condições de criação do tema. Conclusão final: de facto alguns vocalistas têm aquele "je ne sais quoi" e outros não. Adivinhem de que lado estão Shirley Manson e os Garbage.
???
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